COP28. Número histórico de lobistas de combustíveis fósseis com acesso às negociações

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Ativistas protestam contra os países poluidores durante a COP28 no Dubai, EUA, a 5 de dezembro Amr Alfiky - Reuters

Pelo menos 2.456 lobistas de combustíveis fósseis tiveram acesso às negociações climáticas da COP28 no Dubai, de acordo com uma análise da coligação "Kick Big Polluters Out" (KBPO), em português "Expulsar os poluídores". Um afluxo sem precedentes de representantes de alguns dos maiores poluidores do mundo que levanta novas questões sobre a influência da indústria na Conferência do Clima da ONU deste ano.

A Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), marcada pela discussão sobre o futuro dos combustíveis fósseis e a sua eliminação progressiva, admitiu pelo menos 2.456 pessoas ligadas às indústrias do petróleo e do gás, um aumento quase quatro vezes superior ao do ano passado.

Um número recorde
calculado por uma coligação de mais de 450 organizações de todo o mundo designada Kick Big Polluters Out (KBPO), através da análise “linha por linha” da lista provisória de 84 mil participantes no evento, que revelou que o número é significativamente superior ao de quase todas as delegações nacionais.

À exceção do Brasil, que levou para o Dubai 3.081 pessoas uma vez que deverá acolher a próxima Conferência do Clima dentro de dois anos (COP30) e dos Emirados Árabes Unidos, que na qualidade de país anfitrião da COP28 inscreveram 4409 pessoas.  

A análise revelou ainda que os lobistas da indústria receberam mais passes para a COP28 do que todos os representantes dos dez países mais vulneráveis ao clima juntos (1509), incluindo a Somália (366), Chade (554), Níger (135), Guiné-Bissau (43), Micronésia (26), Tonga (79), Eritreia (7), Sudão (46), Libéria (197) e Ilhas Salomão (56)."Partilhar lugares com os grandes poluidores nas conversações sobre alterações climáticas é jantar com o diabo" afirmou Ogunlade Olamide Martins, da organização pan-africana CAPPA.

Segundo a organização Oil Change International (OIC), "os 2.456 funcionários e lobistas das empresas de combustíveis fósseis não têm lugar nas negociações sobre o clima" devido ao conflito de interesses e à utilização de "truques sujos". 

"Os países e as comunidades estão aqui a negociar pelas suas vidas, as empresas de combustíveis fósseis e os seus facilitadores estão aqui pelas suas carteiras", denunciou David Tong, diretor da Campanha Global da Indústria da Oil Change International (OIC)."Não se convidariam traficantes de armas para uma conferência de paz", criticou.
Quem são os lobistas presentes?
Segundo a investigação, vários países de todo o mundo inscreveram representantes dos gigantes dos combustíveis fósseis nas suas próprias delegações nacionais, como é o caso da França com membros da TotalEnergies e da EDF, a Itália com uma equipa de representantes da ENI, mas também a União Europeia com funcionários de empresas como a BP, ENI e ExxonMobil. "Acham mesmo que a Shell, a Chevron ou a ExxonMobil estão a enviar lobistas para observar passivamente estas conversações?" afirmou Alexia Leclercq, da Start:Empowerment.

"A indústria dos combustíveis fósseis é um ator de má fé, que promove falsas soluções como os mercados de carbono e a captura e armazenamento de carbono”, defendeu Eric Njuguna, defensor da justiça climática na organização Fridays for Future. Já para Caroline Muturi, da IBON África, “as COP tornaram-se uma avenida para muitas empresas fazerem uma lavagem verde dos seus negócios poluentes e imporem distrações perigosas à verdadeira ação climática”.

Apesar de alguns países e empresas defenderem a participação dos interesses privados na mesa de negociações, a diretora de investigação da Corporate Accountability, Rachel Rose Jackson, afirmou: "se a Cop28 não conseguir eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, sabemos quem culpar. Estamos zangados e estamos fartos de ter de explicar uma e outra vez porque é que a indústria dos combustíveis fósseis não deve escrever as regras do clima".

O apelo feito pela coligação “Kick Big Polluters Out” (KBPO) contra a participação dos grandes poluidores nas conversações do clima da ONU vem assim reforçar o crescente apelo dos países do Sul Global, dos funcionários públicos, dos círculos eleitorais da ONU e da sociedade civil em geral.
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